Desde o dia em que me aventurei a tornar-me um instrumento da psicanálise, não tive mais descanso. A arte de interpretar e trazer à tona a cura pela fala é uma prática, quiçá um dom, que figura entre os mais belos. Lembro-me, ainda que de forma turva, da memória de alguns manuscritos e cópias feitas com mimeógrafos para o já adormecido jornal A Voz do Atheneu. Eram artigos escritos pelo meu xará, Conrado Matos, um dos pioneiros da Arcádia Literária do Atheneu Sergipense.
Meus grandes olhos ficaram vidrados, como quem descobre a pólvora. Mergulhei ao encontro de Freud, que me revelou a casca mais profunda e oculta que reveste o ser humano: o inconsciente. A cada leitura, parecia que uma nova porta se abria para mim, e por ela eu enxergava um mundo ainda mais fascinante.
Aquela era uma época de fervor. Jovens se revelavam e rebelavam em prol da cultura e da ciência, compondo as academias estudantis dentro do Centro de Excelência de Sergipe, o já mencionado Atheneu. Havia, além da Arcádia, a AFAS, Academia Filosófica, e também o CEGAS, Centro de Espeleologia Amadorística de Sergipe. Assim, minha paixão se viu dividida entre essas três vertentes do conhecimento. Todavia, a Arcádia era minha morada e principal fonte de inspiração. Lá, descobri-me poeta, ator e artista plástico. Enfrentei grandes desafios, pois, embora tivéssemos pouca idade, nossos sonhos eram muito, muito altos.
Servindo à comunidade acadêmica e também aracajuana, organizávamos eventos ambiciosos, como o concurso de poesias, que movimentava toda a cena da região, revelando grandes nomes para a nossa literatura e chamando atenção até da ABL – Academia Brasileira de Letras. Esta, por sua vez, fez uma generosa doação de obras de seus acadêmicos para a nossa biblioteca. Mas, claro, por trás de todo esse sucesso havia nomes, e entre eles, não poderia deixar de citar o hoje doutor Francisco Diemerson, aquele que me fez acreditar que sonhar é o princípio da conquista.
Mesmo enquanto me dedicava à Arcádia e aos eventos culturais, a psicanálise permanecia um fio condutor em meu pensamento. Matos nos convidava para mergulhos profundos em seus artigos. Suas explanações sobre as defesas do ego foram conteúdos que me levaram ao conhecimento de mim mesmo. Meu passado não apenas definia os meus passos, mas também aquele que eu era. Seus textos traziam uma profundidade que, mesmo habitando outra época – os anos 1970 –, pareciam dialogar diretamente com as inquietações de minha geração, nos anos iniciais do segundo milênio.
Após esse primeiro contato, tive o privilégio de me tornar assessor da Academia Sergipana de Letras, um trabalho que ampliou minha visão de mundo. Redigi atas, organizei a biblioteca da casa, fui curador de exposições artísticas, recepcionei acadêmicos ilustres e também fui anfitrião, abrindo as portas do sodalício para o Seminário do Círculo Freudiano de Psicanálise. Foi exatamente durante esse evento que minha paixão se tornou uma obsessão. Diante das palavras de Freud e do ambiente inspirador da academia, percebi que meu propósito não era apenas entender o inconsciente, mas ajudar outros a desvendarem o seu. E, nesse instante, disse para mim mesmo que me tornaria psicanalista.
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