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Solidão itinerante

 



Espera-se que alguém o trate com compaixão, que seus passos sejam acolhidos como os do filho pródigo regressando aos braços abertos. No entanto, as dores infligidas exigem uma convivência tardia, revelando as consequências de escolhas errôneas, os vislumbres mais sombrios. Nada justifica essa insanidade, nem mesmo a fome.

João Batista não era um marajá, mas vivia numa modesta morada diante do mar, na pequena vila onde um terço dos vizinhos eram amigos de tempos tenros.

Ele chegou ali buscando um recomeço, uma maneira de estancar a dor de ter sido despojado da família que tentara edificar com o nascimento de Rebeca, sua primeira filha.

A maresia, o sol escaldante e os insistentes convites do vizinho mais próximo, companheiro fiel nas agruras da vida, raramente conseguiam arrancá-lo de sua clausura. A praia de Atalaia se transformara em paraíso intocado, enquanto ele, tal qual Gregor Samsa, definhava e contorcia-se até atingir o resultado da metamorfose: um inseto repugnante.

"Vamos lá, abre essa janela e também essa porta... Vamos pedalar!"

Ele ouvia a criatura sussurrando, tentando disfarçar seus grunhidos, enquanto abraçava a dor como a mais fiel das companheiras.

Em um dos cômodos, João mantinha um altar, um santuário que lhe recordava os tempos de glória, ainda que inglórios. Seu escape da realidade tornara-se um hábito diário, deixando-o vulnerável, e o definhar era apenas o sabor mais doce de seus tormentos.

Em meio à penumbra de sua morada, João Batista aferrava-se à esperança, ainda que tênue como um fio de seda. Ali, encontrava-se um homem despojado de grandezas materiais, mas envolto na imensidão do mar que se estendia diante de sua humilde moradia.

A brisa salgada acariciava sua pele e o sol derramava seus raios dourados, chamando-o para um novo dia de possibilidades. Seu vizinho, um confidente em meio às aflições, persistia em convidá-lo a desbravar a praia de Atalaia, um refúgio paradisíaco que permanecia inexplorado para sua alma cansada.

"Abra a janela, meu amigo, e permita que a brisa acaricie sua face. Venha, vamos pedalar juntos, desvendar os segredos que o mar nos reserva", sussurrava o companheiro, desejando despertar João de sua clausura autoimposta.

No entanto, João Batista se encontrava aprisionado em uma teia de lembranças amargas. Como um altar solitário, erguido em um canto de sua morada, ele reverenciava os tempos de glória que, apesar de vazios, possuíam um brilho efêmero. O escapismo tornara-se seu refúgio, seu último elo com a realidade.

E assim, João definhava, como um frágil inseto aprisionado em seu próprio casulo de tristezas. Sua metamorfose não era a de um homem em um ser repugnante, mas sim a da própria essência humana corroída pela solidão e pelo peso das escolhas equivocadas.

Ah, se apenas pudesse vislumbrar a imensidão do mar que, mesmo à sua frente, permanecia um paraíso inalcançável. Se ao menos pudesse permitir-se romper as amarras do passado e empreender uma jornada de redenção, como o filho pródigo que retorna aos braços acolhedores da vida.

No entanto, a dor ainda o abraçava com fervor. Era hora de confrontar os fantasmas do passado, de deixar para trás os resquícios de uma existência ingloriosa. Ainda havia tempo para recomeçar, para buscar a compaixão que tanto ansiava.

Assim, João Batista, com coragem renovada, abriu a janela e escancarou a porta de sua alma. Pronto para pedalar pelos caminhos desconhecidos, desbravar os horizontes que há tanto tempo ansiava alcançar. Pois, mesmo no mais profundo dos abismos, a esperança sempre encontra uma fresta de luz para iluminar o caminho.

João Batista decidiu romper as correntes do passado e abraçar a promessa de um novo amanhecer. A praia de Atalaia aguardava ansiosa por seus passos, como um canto de libertação a ecoar em sua alma. Montando em sua bicicleta, ele deixou para trás os grilhões da clausura e adentrou o mundo exterior, que se revelava em cores vivas. Enquanto pedalava pela orla, as ondas sussurravam histórias de superação e renovação, inspirando-o a reescrever sua própria narrativa.

Os vizinhos e amigos, que outrora eram apenas rostos conhecidos, agora se tornavam confidentes e pilares de apoio em sua jornada de redenção. Compartilhavam sorrisos, abraços e palavras de encorajamento, fortalecendo o espírito resiliente que despertava dentro dele.

A metamorfose que se operava em João ia além da aparência física. Era uma transformação interior, um despertar da compaixão e da aceitação. Ele compreendia que as escolhas erradas do passado não definiam seu destino, mas sim as ações corajosas que empreendia no presente.

Cada pedalada era um passo em direção à reconciliação consigo mesmo e com aqueles que magoara no passado. A dor que antes o acompanhava como uma companheira fiel agora se desvanecia aos poucos, dando lugar a um sentimento de perdão e cura.

Na praia de Atalaia, João encontrou seu refúgio, não mais como um lugar inacessível, mas como um cenário de renovação e esperança. Ali, ele mergulhou nas águas do autoperdão e emergiu revigorado, disposto a escrever um novo capítulo em sua história.

Enquanto o sol se punha no horizonte, tingindo o céu de tons dourados e alaranjados, João Batista contemplava a grandiosidade do mar, sentindo-se parte integrante desse espetáculo da vida. A metamorfose finalmente se completara, transformando-o em um ser ressurgido das cinzas.


Carlos Conrado

Natural de Ourolândia/BA, radicou-se para Sergipe no ano 2000. Escritor, Artista Plástico, Designer Gráfico, Editor e Jornalista.

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