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O comportamento permissivo e o Governo Invisível do Id

 



Há algo de inquietante no silêncio das multidões. Quando os gritos das crianças palestinas se perdem no ruído seletivo da mídia, e o sangue escorre pelas ruas de Gaza sob a justificativa da “autodefesa”, eu me pergunto: em que momento deixamos de sentir? Em que curva da história perdemos a capacidade de distinguir justiça de conveniência, e humanidade de propaganda?


A psicologia não está ausente deste cenário — pelo contrário, ela é o palco invisível onde tudo isso acontece.


Carl Gustav Jung nos alertava sobre o poder das projeções arquetípicas. Quando um líder ou uma nação se alça à condição de símbolo — como Israel para o Ocidente — ele deixa de ser julgado por suas ações e passa a ser protegido por uma espécie de “imunidade mítica”. Assim como um pai ausente ou um herói ferido, Israel se vê envolto numa aura de infalibilidade, onde a crítica se torna tabu, e o massacre vira estratégia.


A psicanálise nos oferece instrumentos para compreender esse fenômeno de tolerância seletiva. Jung explicaria esse processo como fruto da projeção inconsciente de arquétipos coletivos, da identificação emocional com símbolos de autoridade e da sombra reprimida que se desloca para o “inimigo conveniente”.


O psicólogo e psicanalista italiano Stefano Scatena, em publicação no seu perfil oficial do Instagram, observa:


“A posse de poder nunca é apenas uma questão de regras, mas sim de confiança, controle e projeção de si mesmo no outro. O direito internacional fornece quadros. As emoções coletivas decidem quem pode quebrá-las.”

— Stefano Scatena (@dott.stefanoscatena)


A mente humana é seletiva em suas indignações. E por trás disso não há apenas ideologia — há estrutura psíquica.


A Sombra coletiva e o ID em regime de comando


O ID, como nos ensinou Freud, é a instância mais primitiva da psique. Ele deseja. Ele quer. Ele ataca. É a força bruta que habita em todos nós, ansiando por dominação e prazer imediato. E quando uma sociedade se desconecta da alma, o ID assume o leme coletivo e impera sozinho, enquanto o ego — a instância de equilíbrio — se afoga em sua fragilidade suprimida.


O que vemos em Gaza — o massacre sistemático, a desumanização do povo palestino, a destruição da infância — é o ID operando em escala política e militar, com um agravante: a permissão tácita da comunidade internacional.


Essa permissão é sustentada pela Sombra coletiva — aquele conteúdo psíquico rejeitado que projetamos no outro. O Hamas torna-se o símbolo do mal absoluto, enquanto os horrores do sionismo extremista são justificados por “traumas históricos” e memórias dolorosas, que não apagam o presente.


Jung advertiu:


“Aquilo que você nega, te submete. O que você aceita, te transforma.”


E o Ocidente continua negando sua sombra colonial, racista e imperial. E assim, ela o domina — fazendo-o tolerar o intolerável.


A psicologia dos sistemas e a banalização da autoridade


Não se pode analisar esse cenário sem considerar a psicologia de sistemas. Segundo esta abordagem, a sociedade funciona como uma rede interdependente: família, escola, trabalho, religião, governo — todos são espelhos e reforçadores do comportamento humano.


Toleramos a violência de Israel porque a toleramos no lar. Porque calamos diante de um pai opressor. Porque normalizamos o abuso simbólico em nome da “ordem”. Porque aprendemos desde cedo a confiar em quem veste o uniforme da autoridade — mesmo que ele manche esse uniforme de sangue.


Por isso muitos clamam pelo fim das religiões — não por desprezo ao divino, mas pelo uso do sagrado como pretexto para a barbárie. Quando a fé é sequestrada pelo fanatismo, a espiritualidade se recolhe, envergonhada.


Como escreveu o filósofo Slavoj Žižek:


“A verdadeira violência é muitas vezes invisível, feita de estruturas que se apresentam como naturais. O desafio é enxergá-la onde ela se esconde — nas rotinas, nas leis, nas exclusões que consideramos normais.”


Eu acredito: a alma ainda resiste


Diante disso tudo, ainda podemos escolher o caminho da consciência. A dor do outro ainda pode ser sentida como nossa, se decidirmos deixar que o coração não seja apenas uma metáfora.


Talvez a verdadeira pergunta não seja “quem tem razão?”, mas “quem está disposto a sentir?”. Sentir com profundidade, com empatia, com coragem — a dor de um povo, o silêncio das vítimas, o peso da nossa omissão.


A permissão que damos ao mal não é apenas um erro ético — é um reflexo do vazio interior.


E então, eu lhe pergunto:


Seremos a geração que assistiu à destruição de um povo com os olhos secos? Ou nos permitiremos, ao menos, sentir a dor que nos tornaria verdadeiramente humanos?



Carlos Conrado
Psicanalista, publicitário e poeta

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